Nota brevíssima sobre Manoel Santiago, mestre impressionista amazonense e primeiro pintor abstrato brasileiro

Manoel Santiago nasceu em Manaus (AM) em 1897 e morreu no Rio de Janeiro (RJ) em 1987. É considerado um mestre impressionista e foi um dos pioneiros da pintura abstrata no Brasil.

Figura 1: Fotografia do pintor Manoel Santiago, 1930-3. Acervo do Projeto Portinari.

Manoel Santiago (Fig.1) foi um artista que nasceu em Manaus (AM) em 1897 e morreu no Rio de Janeiro (RJ), em 1987. Sem dúvidas foi um dos maiores pintores amazonenses, e pode-se dizer – assumindo conscientemente os riscos desta afirmação – que sua obra foi uma das mais poderosas já produzidas por um nativo da região dos Manaós. Isso porque o impacto ocasionado por sua produção reverberou de tal modo no contexto artístico brasileiro oficial do início do Séc. XX que é possível afirmar, acompanhando a professora e crítica de arte Angela Ancora da Luz¹, que ele foi “o primeiro pintor abstrato brasileiro, sem sombra de dúvidas”²Ora, essa é uma afirmação que pode nos alcançar emocionalmente se levarmos em consideração a proporção do esquecimento, e até mesmo do desconhecimento do artista e de sua obra.

De qualquer forma, a condição de alheamento às obras e artistas brasileiros que não faziam/fazem parte do núcleo e do “contexto oficial” é algo que se torna, finalmente, mais escasso a cada dia. É evidente que as limitações a que estão sujeitas as recepções de manifestações artísticas na atualidade estão muito mais relacionadas às padronizações (as patrulhas) de pensamento do que às fronteiras e limitações geográficas. Todavia, Manoel Santiago viveu e produziu num tempo brasileiro em que era indispensável deslocar-se para o Rio de Janeiro caso se quisesse qualquer inserção ou reconhecimento no cenário artístico oficial (ou até mesmo alternativo).

Foi por esses motivo, aliás, que em 1918 o artista se transferiu para a capital carioca depois de ter vivido por 15 anos em Belém (PA). Bem se vê que o artista viveu em Manaus apenas durante seus primeiros 6 anos de vida, tempo suficienteporém, para que o imaginário e o sentimento de pertencimento e identificação coma região o acompanhassem irreversivelmente.

Já estabelecido no Rio de Janeiro matriculou-se nos “cursos livres” da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), onde foi aluno de Rodolfo Chambelland (18791967) e de João Batista da Costa (1865-1926). Também nessa época teve aulas particulares no ateliê de Eliseu Visconti (1866-1944), de quem se tornou discípulo e amigoAlém dissocertamente um dos maiores acontecimentos pessoais que lhe ocorreram naquele período foi o casamento com a pintora Haydéa Santiago (18961980), com quem compartilhou o amor pela arte e o temperamento intelectual. 

Quanto ao contexto artístico oficial da época, em 1845 a então Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) criou o Prêmio de Viagem à Europa, que era concedido aos alunos e professores que se destacavam nas Exposições Geraes de Belas Artes. Em 1890, em meio às agitações da transição Império-República e às consequentes reformulações, a Academia Imperial de Belas Artes tornou-se Escola Nacional de Belas Artes e o Prêmio de Viagem passou a ter duas modalidades, onde a novidade foi a contemplação de artistas não vinculados à instituição. As Exposições Geraes e o Prêmio de Viagem configuram uma circunstância substancial para as Histórias das Artes Brasileiras, tanto que se pode dizer que quase todos os nossos grandes mestres ganharam, ou pelo menos chegaram a disputar, a premiação oferecida pela mostra.

Figura 2: Manoel Santiago. “Marajoaras”, 1927. Óleo sobre tela, 137 x 223,7 cm. Acervo do Museu Nacional de Belas Artes.

Manoel Santiago ganhou o Prêmio de Viagem em 1927 com a tela Marajoaras (Fig.2), e em 1928 partiu com Haydéa Santiago para Paris. Matricularam-se na Académie de La Grande Chaumière e, naturalmente, passaram a frequentar os redutos artísticos parisienses, somando e adquirindo vivências que somente as viagens oportunizam ao espírito humano. Tais experiências eram quase que simultaneamente compartilhadas com os amigos brasileiros, pois se diz o ateliê do casal passou a ser o ponto de encontro dos artistas brasileiros que por ali também residiam ou passavam. Segundo Chermont de Britto, isso se deveu ao ambiente acolhedor que o casal propiciava ao amigos através do “aconchego de um lar feliz em que predomina alta espiritualidade”³. José Marques Campão (18921949), Candido Portinari (1903-1962), Alfredo Galvão (1900-1987) e Armando Viana (1897-1992) estavam entre os que frequentavam o ateliê, e a maioria já havia convivido na ENBA.

Em 1929 Manoel Santiago participou do Salon de Paris, com a tela Tatuagem (Fig.3), obra que já foi considerada como uma “idealização do imaginário indígena” e que por isso correspondia às percepções europeias do cenário brasileiro. Sem deixar de considerar os adendosobservo que um artista, quando se presta a materializar as impressões mais imediatas de uma possível inspiração, na maioria das vezes não está preocupado em idealizar ou corresponder a qualquer necessidade externa.

Fato é que Manoel Santiago foi um grande mestre, e para fazer jus ao título desta conversa, que já vai terminando, importa observar que seu estilo, desenvolvido de modo cuidadoso, é comumente considerado como “impressionista” por dois principais motivos: 1) por sua paleta luminosa e vibrante e as pinceladas curtas e soltas; e 2) por sua vivência na capital francesa. Por outro lado, sabe-se que o título de “mestre”, especialmente no mundo da arte, é uma obtenção precisamente passiva. Ninguém se torna um mestre porque assim decidiu, mas porque os pares e os outros assim o reconheceram.

O reconhecimento que Manoel Santiago obteve ainda em vida foi fruto de uma vida inteiramente dedicada à arte e seus mistérios. Num outro momento conversaremos sobre as inquietações e formulações filosóficas que o impeliam a viver do modo como viveu, e a fazer tudo o que fez. Há muito mais a ser dito sobre Manoel Santiago – nem sequer mencionei sua extraordinária atuação no Núcleo Bernardelli – mas por enquanto façamos uma pausa relembrando um causo relatado por José Roberto Teixeira Leite1, que certa vez recebeu de Di Cavalcanti (1897-1976) e ao final da breve visita, ao despedir-se, ouviu a seguinte declaração: “eu preciso sair mais cedo porque eu quero passar no ateliê de Manoel Santiago, pra mim o maior pintor brasileiro”.

¹Professora do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ (PPGAV-EBA-UFRJ). Membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) e do Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA).

² Exposição Manoel Santiago – Youtube. Disponível em: <https://youtu.be/01iTTcY6C2o>.

³ BRITTO, 1980, p. 87 apud SILVA NETO, João Augusto da. Manoel Santiago vai a Paris: Centro-Periferia na Pintura de um Artista Amazonense (déc. 1920), 2018, p. 74.

Exposição organizada pela Societé des Artistes Français e pela Societé Nationale des Beaux Arts, agremiações independentes da École des Beaux Arts.

1 Em e-mail enviado à professora Angela Ancora da Luz. Disponível em: <https://youtu.be/01iTTcY6C2o>.

Figura 3: Manoel Santiago. “Tatuagem”, 1929. Óleo sobre tela, 195,5 x 130,87 cm. Acervo do Museu de Arte de Belém.

Para saber mais sobre Manoel Santiago e sua obra assista o Vídeo 5 da web série Visualidades Amazônicas:

Sobre as autoras

Lorena Machado é artista e pesquisadora amazonense, possui mestrado em Letras e Artes (Universidade do Estado do Amazonas) e graduação em Artes Visuais (Universidade Federal do Amazonas).

Karen Cordeiro é artista e pesquisadora amazonense, possui mestrado em Letras e Artes (Universidade do Estado do Amazonas) e graduação em Artes Visuais (Universidade Federal do Amazonas). Possui como área de pesquisa a História da Arte no Amazonas. 

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