Escritor indígena reúne saberes medicinais dos povos do Alto Rio Negro sobre corpo e saúde em livro inédito

Primeiro indígena doutor em antropologia, a obra ‘O mundo em mim: Uma teoria indígena e os cuidados sobre o corpo no Alto Rio Negro’ foi fruto da tese de doutorado de João Paulo Lima Barreto.

Entender os mecanismos de funcionamento do corpo humano pode ser essencial para tratar enfermidades e tomar cuidados necessários para evitar doenças. Diferente do senso comum, a medicina atual não é a única forma de compreender o corpo humano. Existem outros modelos de conhecimento, como por exemplo a medicina indígena.

Passada de pai para filho, de geração a geração, a medicina indígena propõe uma conexão mais profunda entre corpo, natureza e universo. E é nesse contexto que surgiu a obra ‘O mundo em mim: Uma teoria indígena e os cuidados sobre o corpo no Alto Rio Negro’.

O Portal Amazônia conversou com o autor, o indígena João Paulo Lima Barreto para saber mais sobre os desafios e importância desse tipo de publicação.

Foto: Divulgação

Primeiro indígena doutor em antropologia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a obra foi fruto da tese de doutorado de João.

“Esse tema é fruto de um esforço e trabalho de reflexão de muitos conhecimentos que até então a gente percebe muita literatura fora do contexto indígena e o objetivo era trazer uma reflexão sobre um conjunto de conhecimentos para além, que são pouco difundidos”,

contou o autor ao Portal Amazônia

O livro propõe uma teoria de interpretação propriamente indígena sobre a composição do corpo e sua relação com outros elementos do cosmos. Ele explica a importância da perspectiva Tukano como instrumento de equilíbrio e de qualidade de vida a partir de cuidados com o corpo. 

Desafios

Expor no meio acadêmico conhecimentos indígenas foi um processo não muito fácil para o antropólogo. Ele destaca a escrita como um dos desafios:

“Para nós, escrever livros é muito doloroso na medida em que somos povos indígenas e temos outras formas de construir e de pensar. E quando vamos para a Academia a gente passa por um processo de enfrentamento que está enfrentando a escrita. A escrita é o modo de produção de conhecimento especificamente dos não-indígenas, ou seja, da ciência. Então essa mudança para nós é muito dolorosa às vezes. Primeiro que muitos de nós não temos domínio pleno do português”,

João Paulo Lima Barreto

Ainda assim, o trabalho de João Paulo tornou-se uma referência acadêmica sobre conhecimentos de populações indígenas da Amazônia.

A obra 

Foto: João Paulo/Acervo Pessoal

Em cerca de 250 páginas, Barreto relata ensinamentos da medicina indígena do seu povo, os tukanos. Esse conhecimento está relacionado ao que observou no convívio diário aliado às práticas de cura do avô Ponciano Barreto, do pai, Ovídio Barreto, e dos tios e outros ‘kuamãs’, especialistas desses saberes.

O autor registra, dessa forma, conhecimentos do universo cultural dos povos tukano, tuyuka e dessana. Todos são habitantes nativos da região do Alto Rio Negro, no norte do Amazonas.

Diferentes modelos

João Paulo Barreto conta que apesar de existir a medicina tradicional, moderna, é importante compreender que existem outros modelos de conhecimento e que os indígenas têm muito o que falar, desde que exista uma parceria, companheirismo e cumplicidade também com a comunidade acadêmica.

“Os povos indígenas têm suas práticas de cuidado à saúde e cura há cerca de 14 mil anos. Eu pego esse período de debates arqueológicos que relatam a presença de povos nesse território. Durante esse período, todo os povos indígenas vem desenvolvendo tecnologias, conhecimento, manejo. Dentro desses vastos conhecimentos, existe o conhecimento que é voltado às práticas e cuidados à saúde e cura”,

acrescenta.

A importância acadêmica do livro vai muito além de mais uma obra sobre as populações tradicionais da Amazônia, garante o autor. Barreto personifica a “antropologia indígena”, que consiste em um cientista de origem indígena falando do seu próprio povo, do ponto de vista do pesquisador nativo.


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